Anges Modas

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A moda que os anjos vestem

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A refundação do Estado


1- O Estado em face da globalização

No limiar do terceiro milênio, exige-se a compreensão dos novos desafios constitucionais, em seus processos de internacionalização, globalização e regionalização, mediante a percepção das permanências constitucionais e das interações regulatórias dinamizadas por normas constitucionalmente estruturantes.

Identifica-se no atual momento constitucional a disseminação de concepções neoliberais que corroem as diversificadas sociedades, subordinando-as a lex mercatoria.

A globalização caracteriza-se como processo policêntrico, ao concentrar vários domínios de atividade, dentre os quais a economia, a política, a tecnologia, a militar, a cultural e a ambiental. Revela-se, assim, a contradição entre a ampliação de espaços econômicos e sociais, necessários ao desenvolvimento da existência humana, que extrapolam as fronteiras estatais, e a redução drástica dos espaços políticos, evidenciada na legitimação política do sistema, na qual se prioriza a eficiência em detrimento do princípio democrático.

O discurso da global governance torna-se sedutor, ao perceber o mundo como fábula, recortada por metáforas e fantasias, dentre elas a multiplicação de objetos e serviços, acessíveis a todos.

Tais fantasias alimentam o imaginário coletivo. As bases materiais dessa mitificação situam-se na realidade da tecnologia atual em que a técnica apresenta-se ao cidadão comum como uma mescla de mistério e banalidade.

Quando o sistema político dominante incorpora o sistema técnico contemporâneo, traz consigo seu imaginário, carregado de formas de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obediência imediata.

Além disso, proclama-se o fim das ideologias e da história, restando uma única alternativa, dotada de forças irresistíveis e irreversíveis, apta a governar a história, dominada pela economia de mercado: a global governance.

Não obstante, o Estado constitucional, mesmo debilitado pelo discurso da globalização, permanece ponto de referência e marco de resistência obrigatório no qual se sedimentam os parâmetros reguladores da vida social e se definem e se expressam democraticamente os princípios norteadores de uma comunidade política, ou seja, o discurso da razão política.

Daí a tensão permanente entre as fabulações da globalização econômica, com sua lógica de cálculo de custos e benefícios, em discurso sobre a razão instrumental, e os fundamentos democráticos do Estado constitucional, com sua lógica de legitimidade política, em discurso sobre a razão política.

As diversificadas realidades estatais, no limiar do novo milênio, impõem a metamorfose do Estado, compreendidas como a forma de racionalização e generalização do político nas complexas sociedades modernas.

As transformações, ocorridas no âmbito dos Estados ocidentais no decorrer do século XX refletem uma crise de racionalidade, que diluiu a sociedade civil, ao estabelecer um aparato estatal autoritário e incompetente para satisfazer as demandas das sociedades de massas.

HABERMAS verifica a crescente complexidade das tarefas estatais: no primeiro momento, o Estado se especializou na clássica tarefa de preservar a ordem; depois, na função da justa distribuição das compensações sociais; e, no outro, finalmente, na administração das situações coletivamente perigosas (kollektiver Gefährdungslagen) (a: et seq.).

Desde o ocaso do século XX, novos paradigmas delineiam os esquemas de representação da pós-modernidade, caracterizados pela fragmentação, multipolarização, multiorganização e descentralização da organização política estatal, através de um conjunto de sistemas autônomos, auto-organizados e reciprocamente interferentes.

Percebe-se que, paralelamente ao Estado, existem difusos pela comunidade, entes autônomos territoriais (municípios e regiões), e institucionais, vinculados à sociedade civil, tais como ordens profissionais, associações e ONGs, movimentos corporativistas e movimentos sociais.

Daí, as atividades típicas estatais retraíram-se de tal forma que ocorreu a perda do centro do Estado, concebido como organização unitária e centralizada, e a existência de um ‘direito sem Estado’, i.e., de modos de regulação como contratos, mediações e negociações constitutivos da denominada ‘reserva normativa da sociedade civil’.

Não obstante, o Estado não deve e não pode desaparecer, sendo essencial a discussão de seus fundamentos democráticos e determinação de seu papel em relação à globalização, preservando-se a identidade política, econômica e cultural de cada sociedade que legitima seu aparato estatal.

2 - A GÊNESE E OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO

Desde as fantasias do doutrinarismo tecnocrático, perpassando pelos discursos do fim das ideologias e da história, testemunha-se a pretensão de sujeição dos postulados da razão política às novas exigências da razão tecnocrática e instrumental.

Deve-se, entretanto, mensurar o impacto que a globalização e a global governance provocaram nos sistemas democráticos tradicionais. Na década de, em plena crise do Welfare State, no âmbito interno estatal, houve o primeiro impacto, quando se renegou o discurso keynesiano, substituído pela ordem neoliberalismo, com sua fábula: a ‘Constituição da liberdade’.

Simultaneamente, no plano internacional, questionou-se a habilidade e eficiência do sistema interestatal vigente para solucionar seus crônicos problemas. Na nova fábula, o conceito de democracia, como método pelo qual se determina o que é válido, como lei, encontrou seu fundamento na economia de mercado, renegando a soberania popular.

Com o Consenso de Washington, sugeriu-se receituário da global governance, com medidas destinadas a debelar a inflação e estabilizar os sistemas econômicos dos Estados nacionais, sob o monitoramento do FMI e assessoramento financeiro do Banco Mundial.

Restringiu-se, então, a atuação estatal, praticamente extinguindo suas funções reguladoras, com o intuito de liberar a economia das ingerências do poder público e equilibrar o orçamento interno dos Estados.

A economia de mercado passou a funcionar em redes, para atender a liberdade total de deslocamento de capitais, em escala mundial, servindo-se da proliferação de inovações financeiras e tecnológicas.

Cada elemento do processo de produção procurou situar-se em espaços privados, em qualquer lugar do planeta, escolhido em função de custos de produção, das desregulamentações locais e/ou ausência ou pouca probabilidade de riscos de investimentos.

O policentrismo, peculiar à globalização, norteou a função desses vários subsistemas autônomos, articulados com a política econômica mundial e, em rede, com outros subsistemas parciais pertinentes.

Houve, no entanto, certa precipitação na adoção de medidas neoliberais em economias assimétricas, bem como não se planejou desenvolvimento equilibrado e sustentável de cada Estado, em consonância com suas identidades.

Por outro prisma, acentuou-se a centralidade do consumo, manifesta na interferência das relações de consumo no cotidiano do cidadão comum.

Entretanto, com a adoção do receituário do Consenso de Washington, alteraram-se as relações de trabalho, que se tornaram instáveis, resultando em expansão do desemprego e na queda do salário médio do trabalhador.

Delineou-se, por conseguinte, uma situação contraditória da fábula da multiplicação de objetos e serviços, cuja acessibilidade se demonstrou, desse modo, improvável, e, paralelamente, a oferta dos próprios objetos, de consumos tradicionais, foi reduzida para parcela significativa da população.

Para MILTON SANTOS, a globalização em si pode ser considerada um retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado constitucional, gerando, em vez de abundância e riqueza, autêntica fábrica de perversidades.

O próprio Conselho Nacional de Inteligência (CNI), órgão dos Estados Unidos da América, traça um quadro trágico para as conseqüências da globalização:

Sua evolução será agitada, marcada pela volatilidade financeira crônica e uma brecha econômica cada vez mais ampla (...). A estagnação econômica, a instabilidade política e a alienação cultural fomentarão os extremismos étnicos, ideológicos e religiosos, acompanhados de distúrbios e violência.

É como se o feitiço virasse contra o feiticeiro”.

Do processo de globalização, criou-se um mundo peculiar de fabulações, que se aproveitou do alargamento dos espaços sociais e econômicos, para consagrar o discurso único, fundado em dois pilares básicos:

a) Informação – ao se disseminar imagens e imaginário, enfatiza-se o mito da formação da aldeia global ou a difusão instantânea das notícias.

Verifica-se, ainda, uma relação umbilical entre o mundo da produção destas e o mundo de produção das coisas e das normas;

b) Economia de mercado – ao se produzir economização e monitorização da vida pessoal, propagam-se o mito do mercado mundial competitivo, com sua global governance, dotado de mecanismos de produção normativa instrumentais.

Nesse processo de globalização, há, pois, a pretensão de tudo transformar-se em mercado, inclusive o próprio aparelho ideológico estatal e os comportamentos políticos.

Os franceses denominam esse processo de aniquilamento das relações sociais e políticas no âmbito estatal de mondialisation fractale, dado o caráter migratório, volátil, fragmentário e irregular dos mercados mundiais.

HABERMAS, em sua Teoria da Ação Comunicativa, problematiza, de forma instigante, o fenômeno da globalização econômica e a racionalidade instrumental que condiciona suas atuações. Em sua reflexão, submetem-se a essa racionalidade, em definitivo, o mundo da sociedade civil e da economia, e o mundo da política e do Estado.

A solução para a questão, suscitada por HABERMAS, dá-se, através da contraposição, entre a racionalidade instrumental e as esferas por ela definitivamente dominadas, cognominadas como racionalidade comunicacional, situadas no mundo da vida.

O mundo da vida consiste no resgate do último reduto de liberdade no qual os cidadãos interagem e compartilham de sua existência cotidiana e podem encontrar, ainda, espaços para o consenso fundado em uma comunicação ou em uma deliberação, de forma livre de coação externa.

Autor: Mário Lúcio Quintão

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Justiça Eleitoral


Justiça Eleitoral

Compõem a Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, que não são subdivididos em turmas ou câmaras, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais.

Os Juízes Eleitorais são titulares de zonas eleitorais. Atua essas, na primeira instância, como órgão judiciário singular. As zonas eleitorais são unidades de jurisdição eleitoral. Um Município pode concentrar diversas zonas eleitorais, conforme demarcação feita pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral, ao qual couber a divisão da respectiva circunscrição, que, entretanto, deve ser aprovada pelo TSE (art. 23, VIII e art.30, IX, CE). Paralelamente, uma única zona eleitoral pode abranger diversos Municípios.

A zona eleitoral é a área de jurisdição do Juiz Eleitoral e da junta eleitoral sob sua presidência. O Juiz de Direito para ser titular da zona eleitoral deve en­contrar-se em pleno exercício de suas atividades. Em sua falta, é convocado seu substituto, que deve encontrar-se no gozo das garantias asseguradas pelo art. 95 da Constituição (art. 32, CE).

As juntas eleitorais, por sua vez, são órgãos colegiados de primeira instân­cia, sendo compostas por um Juiz de Direito, que atua como Presidente, e dois ou quatro cidadãos de notória idoneidade (art. 36, CE).

As juntas eleitorais são constituídas 60 dias antes da eleição. Dez dias antes da nomeação, os nomes das pessoas indicadas para composição são publicados no Diário Oficial, para fins de impugnação por partido, no prazo de três dias. Ine­xistindo impugnação ou sendo esta julgada improcedente, os nomes são submeti­dos à aprovação do Presidente do TRE (§ 12, art. 36, CE).

Não podem ser nomeados membros das Juntas, escrutinadores ou auxi­liares: (a) os candidatos e seus parentes, mesmo por afinidade, até o segundo grau, inclusive o cônjuge; (b) os membros de partidos políticos registrados; (c) as au­toridades e agentes policiais, bem como funcionários ocupantes de cargo de con­fiança; (d) os que integram o serviço eleitoral (§ 32, art. 36, CE).

Podem existir tantas Juntas quanto for o número de Juízes de direito que gozem das garantias asseguradas à Magistratura: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos, mesmo que não sejam Juízes com efetiva atua­ção na Justiça Eleitoral, mas apenas integrantes da Justiça Comum (art. 37, CE).

As matérias de competência da Junta Eleitoral não podem ser decididas individualmente pelo Juiz Eleitoral que a preside. Todos os componentes da Jun­ta devem se manifestar, tomando-se a decisão pela maioria dos votos, tal como ocorre nos órgãos colegiados.

O Presidente da Junta, até 30 dias antes da eleição, deve comunicar ao Tribunal e divulgar a composição das mesas receptoras. A divulgação deverá ser feita através de edital publicado ou afixado. Qualquer partido pode oferecer impugnação motivada, contra essas nomeações, no prazo de três dias (art. 39, CE).

Os Tribunais Regionais Eleitorais são compostos por sete membros, sendo dois Desembargadores, dois Juízes Estaduais, um Juiz Federal do Tribunal Regio­nal Federal, ou, não existindo, um Juiz Federal, escolhido pelo respectivo Tribunal Regional Federal, e dois Juristas nomeados pelo Presidente da República.

Os juristas, enquanto Juízes estão impedidos de advogar perante a Justi­ça Eleitoral, podendo, porém, fazê-lo nas demais jurisdições.

Os Juízes integrantes de Tribunais Eleitorais servirão por dois anos e nun­ca por mais de dois biênios consecutivos, salvo motivo justificado (art. 121, § 22, CF). Como regra, pois, o período de atuação é de dois anos, prorrogável uma única vez por igual período.

O Tribunal Superior Eleitoral é composto de sete Ministros, sendo três oriundos do Supremo Tribunal Federal, dois do Superior Tribunal de Justiça e dois juristas nomeados pelo Presidente da República.

Os advogados integrantes do TRE são escolhidos pelo Presidente da Re­pública, através de lista tríplice elaborada pelo Tribunal de Justiça (art. 120, § 12, III, CF). Na capital de cada Estado e no Distrito Federal deve funcionar um Tribu­nal Regional Eleitoral (art. 120, CF).

A partir da escolha, na convenção partidária, até a apuração final da elei­ção, não podem atuar como Juízes nos Tribunais Eleitorais ou como Juiz Eleito­ral, o cônjuge, parente consangüíneo legítimo, ilegítimo, ou afim, até o segundo grau, de candidato a cargo eletivo registrado na circunscrição (art. 14, § 32, CE).

Nenhum candidato a qualquer cargo eletivo pode ter parente, até o segundo grau, com o Juiz ou membro de Tribunal com atuação na circunscrição em que estiver disputando o mandato. Uma vez escolhido pela convenção candidato com aquele parentesco, deve o Magistrado afastar-se imediatamente da função.

Assim, por exemplo, o Juiz Eleitoral não pode atuar na zona eleitoral em que o irmão disputa eleição. O membro de Tribunal Regional não pode, por seu turno, exercer sua função caso seu filho ou irmão esteja disputando mandato de Prefeito, Governador, Vereador, Deputado ou Senador no Estado. A circunscrição do TRE abrange toda a área do respectivo Estado.

Já o Ministro do TSE não pode atuar quando tiver parente disputando mandato eletivo em qualquer Município ou Estado da Federação. Essa a exegese mais compatível com a garantia de plena isenção dos julgadores na órbita eleitoral. O vínculo partidário de eventual parente do julgador, com jurisdição sobre a área em que for realizado o pleito, é elemento inibidor de sua atuação judicatura eleitoral. A simples presença de julgador, nessa situação, gera um clima de desconfiança e insegurança inadmissíveis no processo eletivo. Juiz não pode ter partido nem parente envolvido em disputa eletiva na área sobre a qual exerce jurisdição eleitoral. Essa a premissa básica da confiabilidade no processo de escolha dos representantes do povo.

Sob outro enfoque, o exemplo de funcionamento e a fixação de um período de permanência dos Magistrados nos Tribunais Eleitorais poderiam ser levados para os Tribunais estaduais. Cada integrante desses Tribunais, respeitado o direito adquirido dos atuais membros, desempenharia sua função durante certo período, previamente fixado, com possibilidade de uma única prorrogação, desde que observados certos requisitos.

A experiência de rodízio, nos Tribunais Eleitorais, mostra-se extremamente saudável na medida em que assegura maior dinamismo à atuação da Justiça, propicia notável oxigenação das posições jurisprudenciais e impede o surgimento de "oligarquias" no âmbito do Judiciário.

Na verdade, cada sociedade deve adotar o modelo para funcionamento de suas instituições conforme as suas próprias peculiaridades. Não basta pura e simplesmente importar fórmulas de funcionamento de outros países. É necessário examinar a maneira como os resultados são produzidos, em cada lugar, buscando, exclusivamente, o melhor proveito para o grupo social.

A vitaliciedade, como se sabe, é imprescindível para a Magistratura. Mas a realidade brasileira, bem exposta em todos os Estados, está a reclamar nova forma para ingresso e permanência nos Tribunais de Justiça, a refletir os princípios da democracia consagrados no art. 1º. da Constituição. A CPI do Judiciário, realizada pelo Senado da República no final da década de 90, mostrou que o modelo consagrado pela Constituição de 1988 tornou-se obsoleto e inviável para responder aos anseios da sociedade do século XXI. A forma de investidura, nos diversos postos do Judiciário, deve ajustar-se à realidade do país e não se limitar a copiar modelos adotados em sociedades com valores e tradições diferentes. O exame minucioso da vida pregressa também aqui é fundamental.

A condição de membro vitalício de Tribunal com competência para desfazer atos de juízes, deputados, prefeitos, governador e qualquer cidadão, está a importar uma gama de poderes, no seio da sociedade local, que devem ser contrabalançados com a redução do tempo de permanência na Corte. Sob a ótica dos fatos, é doloroso registrar que a vitaliciedade nos Tribunais vem-se transformando em fonte de tensão no grupo social em decorrência da atuação de alguns magistrados sem nenhuma consciência do papel que lhes é reservado na sociedade. Prevalecendo-se da vitaliciedade e das demais garantias outorgadas pelos cidadãos, acabam situando-se acima da própria lei. Em alguns Estados, praticam ilicitudes, sem constrangimento algum, curvando-se, porém, todos a seu poder com receio das sanções desencadeadas a partir de qualquer denúncia. À luz da constatação do dia-a-dia, o grupo social não exerce ingerência nem fiscalização na investidura, tampouco na atuação dos integrantes desses colegiados.

As corregedorias, na prática, ao sugerirem punição aos integrantes de maior expressão no Judiciário provocam crises na respectiva instituição, deixando os jurisdicionados perplexos com o nível de discórdia reinante. Constatados os ilícitos graves, a "punição" é a aposentadoria, onerando os contribuintes com pagamentos de proventos a quem lhes prestou maus serviços.

Na verdade, na democracia, a característica básica do poder é a transitoriedade. A separação dos poderes, concebida por Montesquieu e consagrada pelos povos mais civilizados, objetiva impedir sua concentração, que é inerente aos governos despóticos.

A vitaliciedade é típica dos regimes monárquicos. Sua adoção, como requisito para a atuação jurisdicional, teve por objetivo preservar o aplicador da lei das investidas dos detentores do poder contra suas posições na realização da justiça. Deve, assim, ser preservada como garantia da autonomia e independência da magistratura.

Entretanto, não pode essa prerrogativa ser transformada em instrumento de salvaguarda pessoal do magistrado, para a prática de ações em detrimento da própria sociedade que a confere. Não deve tal garantia ser usufruída em proveito próprio, através de conduta repugnante aos olhos dos jurisdicionados, porém, em benefício do grupo social, permitindo-lhe que atue de forma isenta contra qualquer um no exercício altivo da função. Thomas M. Cooley assim delimitava o sentido da vitaliciedade no âmbito do Poder Judiciário:

"Os juízes, tanto os do Supremo Tribunal como os dos tribunais infe­riores, serão vitalícios enquanto tiverem boa conduta" (Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama, Campinas, Russel, 2002, p. 58).

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A justiça negociada


Leandro Lopes Aguilar

Os modelos de justiça negociada representam uma importante violação a garantia da inderrogabilidade do juízo. A lógica da negociação plena conduz a um afastamento do Estado-Juiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário, mas apenas assistindo de camarote o conflito. Essa negociação viola desde logo esse pressuposto fundamental, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do MP e submetida à sua discricionariedade.

A lógica negocial transforma o processo penal num mercado persa, no seu sentido mais depreciativo. Constitui, também, verdadeira expressão do movimento da lei e ordem, na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal, fomentando a panpenalização e o simbolismo repressor.

Na negociação há uma completa desvirtuação do juízo contraditório, essencial para a própria existência do processo, e encaixa melhor com as praticadas permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É transformar o processo penal em uma “negociata”, no sentido depreciativo.

O sistema negocial não colabora para aumentar a credibilidade da justiça. Pois ninguém gosta de negociar sua inocência. No plano do direito material, as bases do sistema caem por terra. O nexo de casualidade entre delito, pena e proporcionalidade da punição é sacrificado. A pena depende da habilidade negocial da defesa e não mais da gravidade do delito.

O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal. O indivíduo já excluído socialmente deve ser objeto de uma ação efetiva para obter-se o Maximo e certo apenamento, que corresponde à declaração de exclusão jurídica. A intervenção jurisdicional também deve ser mínima, tanto no fato tempo, como também na ausência de um comprometimento maior por parte do julgador, que passa a desempenhar um papel meramente burocrático.

O furor negocial da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transforma-se em uma complexa e burocrática guerra. Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio. O promotor, disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento.

A participação da vítima no processo não deve ser potencializada, para evitar uma molesta contaminação pela sua “carga vingativa”. Seriam um retrocesso a autotutela e a autocomposição, questões já superadas pelos processualistas. Não se pode esquecer que a participação da vítima no processo penal, em geral, e no assistente da acusação em especial, decorre de uma pretensão contingente: ressarcimento ou reparação dos danos. Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesse privado em uma seara regida por outra lógica e princípios. Desvirtua por completo todo o sistema jurídico-processual penal, pois pretende a satisfação de uma pretensão completamente alheia a sua função estrutura e finalidade.

O processo penal justo deve ser observado todos os princípios constitucionais adotados por nossa sociedade, como o contraditório, a ampla defesa, a isonomia e a igualdade. Não devemos fugir da negociação quanto a contravenções leves, pois quando aplicado o princípio da igualdade e da isonomia e dando ampla abertura ao contraditório, não há problema em ser negociada uma multa. Não seria justo, no modelo punitivo que acolhemos em nossa constituição e o modelo que temos na realidade, colocar juntos em cadeias lotadas, pessoas que por uma briga de trânsito se tornem contraventores. Aí sim seria um processo penal injusto, onde não daria a chance de uma pena alternativa para pessoas que não tem o filem de criminoso, mas por infelicidade se tornou um contraventor. O contraditório e a ampla defesa devem ser respeitados em todos os casos.

Bibliografia

LOPES JR., Aury, Inderrogabilidade da Jurisdição: Crítica à Justiça Negociada.

In: Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Direito Objetivo e Direito Subjetivo


Deve-se entender o Direito Objetivo como o direito em si e o Direito Subjetivo é nada mais que a faculdade do direito de agir, ou seja, é o exercício do Direito Material. Numa visão Romana, não havia diferença e nem mesmo descriminação entre o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo, e devido à tamanha complexidade existentes, ambos passam a ser trabalhado dentro do positivismo jurídico. Entre os romanos não havia uma distinção clara, uma vez que o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo surgiram a partir de uma análise do caso concreto.

No positivismo o Direito Material é preexistente, abstrato é generalizado, nesta, digo, na visão do direito romano o Direito Material é criado em conjunto com o exercício da ação do direito, isto é, o Direito Subjetivo, sendo esta norma de validade para um caso concreto, ou seja, e o Direito Específico que era aplicado ao caso concreto, mas havia inúmeras leis existentes em Roma, mas estas leis eram destinadas apenas para escravos e os estrangeiros.

No Direito Romano a analogia se torna um pressuposto específico onde através dos costumes para chegar a uma discussão, de uma imparcialidade. No Direito Romano o ato de ligar a ação com o fundamento valido no que eliminaria o ato de enajenación, e desta forma, percebe-se no positivismo a faculdade de direito e a faculdade jurídica e quando é ligada a ação humana, não serão atos de enajenación e sendo assim a uma analogia que cria situações para que o problema percorra a imparcialidade.

O Direito Natural, na visão dos Romanos é visto de forma generalizada, permanecendo imutáveis e sendo constituídos, pela providência divina e o direito não natural é que cada cidade constitui para si mesma e que ocorrem constantes mudanças através do consentimento tácito da sociedade.

O Direito Positivismo é criado pela vontade do homem, sendo cultural tal ato. O raciocínio tópico é o que rege o direito romano e o positivismo jurídico é o raciocínio analítico, sendo as ações um caminho para o surgimento do Direito Objetivo, no positivismo, o Direito Objetivo e o que oferece o direito de ações aos indivíduos.

O Direito Subjetivo é o domínio da vontade do homem, que lhe é garantido e protegido pelo ordenamento no qual fazemos parte, mas a lei que protege é também a que restringe, ou seja, o homem pode alienar tal bem exercendo o Direito Subjetivo, mas se este homem propõe uma ação diante de tal ato, não há como intentar outra alienação sob tal bem, surgindo assim o Direito Objetivo.

O acto de emanejación é nada mais do que a falta de uma problematização.

A faculdade do Direito é a própria ação, no Direito Subjetivo, o feto tem a possibilidade e no Direito Objetivo á possibilidade e o direito passam a existir no momento em que o feto nasce com vida, no Direito Romano o direito do nascituro é resguardado no momento em que se percebe que há um estado de gravidez. O Código Civil não reconhece o nascituro como pessoa, mas lhe são garantidos seus direitos desde sua concepção, neste caso a palavra personalidade tem seu conceito material e formal, o primeiro é o Direito Objetivo que se estabelece a norma de agir (a garantia da lei), isto é o Direito Subjetivo, sendo o princípio de toda relação concreta do Direito e a segunda estabelece os meios para exercer os Direitos Objetivos podendo ser próprio, estabelecendo o princípio do Direito Material.

O nascituro possui o Direito Objetivo e a partir do nascimento adquire o Direito Subjetivo, Mas o Direito Objetivo não ocorre de forma plena, pois este só se completa com o seu nascimento com vida, o Direito Subjetivo é a afirmação de sua personalidade.

Direito Objetivo: (norma agendi) era o conjunto de normas, gerais e abstratas, impostas coercitivamente pelo Estado para disciplinar a conduta dos homens na sociedade. Essas normas estão contidas nos ordenamentos legais vigentes.

Direito Subjetivo: (facultas agendi) era a possibilidade que tinha uma pessoa de fazer tudo aquilo que o direito objetivo não proibisse e, também, de exigir que seu direito fosse respeitado.

Na procura objetiva da justiça os jurisconsultos romanos conferiam real importância à equidade, procurando sempre a justiça entre os extremos, empregando, desta forma o in médium in rebus de Aristóteles (a justiça não está nos extremos, mas sim no meio das coisas). A doutrina aristotélica do direito natural faz do justo, resolutamente, a alma e a essência do direito. Os romanos não faziam distinção entre direito objetivo e direito subjetivo porque não existia a expressão “direito objetivo”, conseqüentemente não existia a expressão “direito subjetivo”, mas sim a objetividade e a subjetividade das coisas. A objetividade do direito era criada no mesmo momento em que era criada a discussão do caso concreto. A medida que o jurisconsulto ia conhecendo os casos concretos, o direito ia sendo criado por analogia a outros casos e se extinguindo automaticamente, servindo somente como fonte de analogia.

O Direito Romano recorre a ficção como mecanismo retórico para impor uma moral. O cidadão romano era considerado como um indivíduo isolado, mas parte de um todo, inserido numa sociedade e, conseqüentemente, o direito deveria visar ao bem estar dessa sociedade. Assim sendo, as leis e a coercibilidade deveriam surgir do seio dessa sociedade, de dentro para fora e não ao contrário, de uma percepção isolada de uma pessoa individualmente considerada, por isso os romanos não tinham um determinismo legal.

Coleção outono inverno Vakko Jeans