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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A justiça negociada


Leandro Lopes Aguilar

Os modelos de justiça negociada representam uma importante violação a garantia da inderrogabilidade do juízo. A lógica da negociação plena conduz a um afastamento do Estado-Juiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário, mas apenas assistindo de camarote o conflito. Essa negociação viola desde logo esse pressuposto fundamental, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do MP e submetida à sua discricionariedade.

A lógica negocial transforma o processo penal num mercado persa, no seu sentido mais depreciativo. Constitui, também, verdadeira expressão do movimento da lei e ordem, na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal, fomentando a panpenalização e o simbolismo repressor.

Na negociação há uma completa desvirtuação do juízo contraditório, essencial para a própria existência do processo, e encaixa melhor com as praticadas permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É transformar o processo penal em uma “negociata”, no sentido depreciativo.

O sistema negocial não colabora para aumentar a credibilidade da justiça. Pois ninguém gosta de negociar sua inocência. No plano do direito material, as bases do sistema caem por terra. O nexo de casualidade entre delito, pena e proporcionalidade da punição é sacrificado. A pena depende da habilidade negocial da defesa e não mais da gravidade do delito.

O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal. O indivíduo já excluído socialmente deve ser objeto de uma ação efetiva para obter-se o Maximo e certo apenamento, que corresponde à declaração de exclusão jurídica. A intervenção jurisdicional também deve ser mínima, tanto no fato tempo, como também na ausência de um comprometimento maior por parte do julgador, que passa a desempenhar um papel meramente burocrático.

O furor negocial da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transforma-se em uma complexa e burocrática guerra. Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio. O promotor, disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento.

A participação da vítima no processo não deve ser potencializada, para evitar uma molesta contaminação pela sua “carga vingativa”. Seriam um retrocesso a autotutela e a autocomposição, questões já superadas pelos processualistas. Não se pode esquecer que a participação da vítima no processo penal, em geral, e no assistente da acusação em especial, decorre de uma pretensão contingente: ressarcimento ou reparação dos danos. Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesse privado em uma seara regida por outra lógica e princípios. Desvirtua por completo todo o sistema jurídico-processual penal, pois pretende a satisfação de uma pretensão completamente alheia a sua função estrutura e finalidade.

O processo penal justo deve ser observado todos os princípios constitucionais adotados por nossa sociedade, como o contraditório, a ampla defesa, a isonomia e a igualdade. Não devemos fugir da negociação quanto a contravenções leves, pois quando aplicado o princípio da igualdade e da isonomia e dando ampla abertura ao contraditório, não há problema em ser negociada uma multa. Não seria justo, no modelo punitivo que acolhemos em nossa constituição e o modelo que temos na realidade, colocar juntos em cadeias lotadas, pessoas que por uma briga de trânsito se tornem contraventores. Aí sim seria um processo penal injusto, onde não daria a chance de uma pena alternativa para pessoas que não tem o filem de criminoso, mas por infelicidade se tornou um contraventor. O contraditório e a ampla defesa devem ser respeitados em todos os casos.

Bibliografia

LOPES JR., Aury, Inderrogabilidade da Jurisdição: Crítica à Justiça Negociada.

In: Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006

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